segunda-feira, 29 de abril de 2013

Harvard versus Biblioteca Nacional

 
A Biblioteca Nacional está uma ruína, mas o governo poderá torrar R$ 28 mi num evento para mimar egos
 
 
Na semana passada, o historiador Robert Darnton, diretor das bibliotecas da Universidade Harvard, pôs de pé seu sonho: a Biblioteca Digital Pública da América (DPLA, na sigla em inglês). A ideia é audaciosa e pretende formar uma rede eletrônica unindo acervos públicos, universidades, museus e centros de pesquisas. Esse patrimônio ficará disponível para os cidadãos, de graça. Um estudante do Piauí poderá baixar um livro de um acervo de Washington. O projeto começou em 2010, quando o ar refrigerado da Biblioteca Nacional do Rio já ia mal das pernas e sua rede elétrica estava cheia de gambiarras.
 
O professor trabalhou com uma pequena equipe e 40 voluntários. Aos poucos, conseguiu a adesão de grandes instituições. Ninguém foi nomeado pelo governo. A iniciativa já dispõe de sete troncos de acesso a 2,4 milhões de títulos, guardados em mais de uma dezena de entidades. Não é muita coisa, mas Darnton sonha, como sonhou John Harvard em 1638. Pastor e filho de um açougueiro, morreu aos 37 anos, deixando 780 libras e 320 livros para que se criasse um colégio. Harvard é hoje a melhor universidade do mundo. Formou sete presidentes, inclusive o companheiro Obama. Em 1750, os jesuítas do Rio tinham 5.434 volumes e a biblioteca criada por Benjamin Franklin na Philadelphia, 375.
 
Passou o tempo e, enquanto Darnton cria a Biblioteca Digital Americana, a Biblioteca Nacional do Rio, caindo aos pedaços, foi cativada por grandes vaidades e pelos interesses de uma parte do mercado editorial. Junto com o Ministério da Cultura, ela patrocinará em outubro uma farra marqueteira na Feira do Livro de Frankfurt. Trata-se de um grande evento comercial, com três dias de visitação exclusiva para editores e apenas dois para o público. Ela pretende homenagear o Brasil. O repórter Ancelmo Gois revelou que a Viúva poderá gastar no espetáculo algo como R$ 15 milhões orçamentários, mais R$ 13 milhões vindos de renúncias fiscais. Trata-se de alavancar os interesses privados de um mercado editorial que já está grandinho para cuidar de si.
 
A Biblioteca Nacional não oferece tomadas para a recarga dos laptops de seus frequentadores, pois sua rede elétrica não aguenta. A farra de Frankfurt poderá custar até US$ 14 milhões mas, até agora, o trabalho de Darnton custou menos de US$ 10 milhões, com uma pequena parte vinda de verbas públicas. Custará muito mais para copiar acervos, mas começou a funcionar.
 
O atraso e o progresso são obras do cotidiano. Onde canta o sabiá, a Biblioteca Nacional está uma ruína e gasta dinheiro público num evento na Alemanha, país governado por uma senhora que pede aos outros "austeridade total". Nas terras sem palmeiras, onde montou-se a internet, cria-se a Biblioteca Digital.
 
Serviço: Darnton conta seu caso no artigo "The National Digital Public Library Is Launched!", que está na rede, no sítio do The New York Review of Books.
 

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